30 de novembro de 2012

Rock Memories: Harvest a colheita de Neil Young


A primeira vez que ouvi Neil Young foi em 1995, na MTV, o clipe de Downtown, faixa do álbum Mirror Ball, aquele que trazia o Pearl Jam como banda de apoio, eu me encantei exatamente com essa faixa, mas não por ter a banda de grunge e, na época, até achei um defeito e até desconfiava que o disco deveria ser ruim. Optei por compra-lo e no decorrer da audição vi que estava errado e acabei por gostar ainda mais depois de ter escutado a faixa Peace and Love, um segundo hit. Por fim adorei o todo o disco apesar de ter muitas faixas longas e cheias de improvisos e virtuoses que fizeram valer a pena tê-lo comigo no top 5 daquele ano que para mim foi bom pelas várias mudanças que aconteceram. Depois de devora-lo nos mínimos detalhes e de traduzir as letras, ou seja, não obstante, a minha mente de colecionar fervia e sobreaquecida, inquieta, sedenta por novidades e ao mesmo tempo mergulhar nesse novo universo resolvi que na sexta iria ao centro da cidade buscar mais material desse camarada.



A sexta feira chegou e depois da aula lá fui eu numa intrigante e insólita viagem pelos confins da cidade de sebo em sebo, loja em loja, atrás de mais algum discos dele e pode ser qualquer um, no entanto, estava complicado achar e a cada lugar que entrava não encontrava vinha o fim da tarde e como a hora do rush é pesada por aqui já começava a me preparar para voltar para casa lembrei de um único lugar onde realmente poderia ter, eram especializados em discos sessentistas e setentista. Quando cheguei na Raridades Discos (hoje extinta) já me atirei sobre as prateleiras e recomecei a minuciosa e quando cheguei, em clima de suspense, na letra N, e dedilhei, na quinta posição estavam vários discos do bardo canadense e três ou cinco depois estava Harvest cuja capa simplória, cor de papelão envelhecido, não me empolgou muito e até desconsiderei a possibilidade de leva-lo, mas pensei bem e me lembrei que é justamente nessas embalagens é que está suprassumo.

Depois de pagar, de sacola na mão, de ter passado a tarde inteira no garimpo, de fechar a loja junto com o dono, me mandei para casa... Em casa... depois de jantar, deitado no quarto e de banho tomado, saquei o disco da sacola e olhei para ele novamente e pensei: “Será que fiz bom negócio?” Caro não foi, mas é ruim comprar uma coisa no escuro e depois descobrir que não é legal. Naquela época não tinha internet e, então, não tinha como testar antes, e se caso não fosse realmente do agrado tinha que ficar com ele e segurar a onda. Quando o coloquei para rodar entrei em choque porque para quem estava acostumado a ouvir Black Sabbath, Thin Lizzy, Blue Öyster Cult, Deep Purple e outros gigantes como Led Zeppelin (que também tem partes acústicas) e de repente encara uma faixa como “Out On The Weekend” totalmente acústica e country, blues, folk que são base sonora desse álbum é como sair da zona de conforto e mudar bruscamente de estação, entretanto, não foi nada traumático sobrevivi para contar.


Ouvindo as faixas o estranhamento foi evaporando, desparecendo e no lugar surgiu uma sensação de relaxamento, alívio, por ter feito uma nova descoberta e que tinha em mãos um clássico para pôr na minha prateleira. Sempre fui de dar longos e profundo mergulhos no escuro, a minha curiosidade e vontade de ter sempre algo novo e diferente em mãos é que sempre me guiava como se fosse um farol aceso apontando o rumo. Nunca gostei de opiniões de vendedor, de outras pessoas, as minhas escolhas sempre foram feitas na base do “é por sua conta e risco” e isso é lei até hoje. Se o que eu comprasse fosse ruim o problema era meu, pois fui eu que decidi né? Na sequência vinha Harvest, a faixa título, na mesma onda. Na minha cabeça, naquela altura, surgia a imagem da minha namorada, de ter um disco para escutar com ela, o coração disparava e vinham os suspiros ao imaginar os embalos sábado à noite.

O negócio é não terceirizar o pensamento, deixar que um terceiro te diga o que ouvir porque cria-se uma dependência e daqui a pouco vão te dizer o que vestir, o que comer, o que ler, como se deve viver e, pronto, ferrou, porque quem vai sentar no volante da sua mente não é mais você. Por isso que nunca aceitei uma opinião que não estivesse em conformidade com o que eu estava buscando nesses confins. As vezes um idiota ficava com raiva, mas nunca liguei seguia o meu caminho. Na época ouvir uma faixa como “A Man Needs a Maid" era uma experiência totalmente nova por causa daquele piano inteligente acompanhando por aquele clima singelo que soavam muito bem para o coração e para o espírito e os sinos que ali badalavam eram só um reflexo da felicidade que me acompanhava pari passo naqueles dias. Uma das que eu mais gosto é a cerebral “Heart of Gold” e é justamente por causa das gaitas, do violão rock, condutores de um clima emocional cujo autor demonstra, assim como Fante, não ter medo de deixar transbordar as suas emoções difundidas por todo conteúdo.

Com o andar do álbum que cada vez mais ia para o final, entusiasmado com som, eu já planejava comprar outro álbum desse cara imediatamente. Pela primeira vez passei a ver o rock por outro prisma que estava oculto, inacessível, até ali. Novas portas foram abertas e o recado deixado embaixo da soleira era de que eu precisava ir em frente, conhecer mais, me atirar nessa estrada e rodar até o fim. Os pensamentos vinham cada vez mais fortes e "Are Your Ready for the Country?" era um emblema, uma pergunta cuja resposta que escapou instantaneamente dos meus lábios foi: sim, estou! Como sempre estive, ali, pronto para o rock agora estava embarcando num novo Greyhound rumo ao universo do country, do folk e do blues para onde fui abduzido prementemente, sem palavras. A pungente “Old Man” me pegou como se fosse um gancho. dado diretamente no queijo pelo violão um tanto lúgubre e outro tanto passional, ou seja, uma história e tanto sobre a terceira idade e a juventude. O disco me soava tão mágico que “There’s A World” arremetia ao natal com sua orquestra e tantos outros arranjos sensacionais. A parte elétrica não poderia faltar e a guitarra distorcida estava lá em "Alabama" marcando presença, e eu ficava ali apenas viajando nos refrãos, apenas soltando anéis de fumaça depois de longas tragadas no meu Marlboro Red e apenas pensando na minha vida e na próxima compra de disco desse cara enquanto o piano fazia o seu belo trabalho. “The Needle and the Damage Done” além de ser uma mensagem antidrogas que naquele período, anos 70, levava muita gente embora tinha uma boa levada de violão. A faixa foi escrita por Neil Young na época do seu segundo álbum gravado em parceria, com o Crazy Horse lançado em 1969, pois o guitarrista Danny Whiten morreu de overdose. Como eu já estudava inglês fazia um bom tempo e já conseguia entender as letras das músicas e compreendia do que se tratava, mas não sabia a razão e os porquês sobre a sua gênese, mas pela melodia eu não me importa e por um lado triste me lembrava de um colega de escola que tinha enveredado por esse caminho e acabou morrendo do mesmo jeito que o guitarrista. A última faixa é a elétrica "Words (Between the Lines of Age)" é uma ótima pedida, a música é perfeita, para pensar o assunto idade e as fases da vida que vamos vivendo.


Depois da primeira outiva fiquei em estado de suave deleite, a satisfação não encontrava palavras para expressar, definir, as sensações captadas daquele momento especial em que se entra em contato profundo com uma obra tão peculiar, intimista, caseira, isto é, quer dizer, com outro tipo de rock que apesar de ser etéreo é também um eterno clássico da música. Foi um marco para mim o começo de uma nova era, porquanto, não via outra opção a não ser adquirir mais e mais álbuns desse cara e foi através dele que posteriormente cheguei aos discos do Bob Dylan (mas isso é outra história). Daí em diante a minha coleção que era essencialmente composta por discos de hard rock e heavy metal, e suas vertentes, das décadas de 1970 e 1980, rock psicodélico e progressivo e foi nesse momento que eu descobri que estava em outra em relação com a música que era bem mais profunda dado aos roles para os garimpos, os cuidados especiais empregados para a conservação que para nós bolhas é um ritual quase religioso.

Considerando a autonomia em relação aos outros, visto que, o conhecimento via leitura era bem maior e melhor até do que alguns vendedores que eram verdadeiros Forest Gump e ajudaram criar lendas, histórias fantasiosas, assim sendo, eu preferia mesmo caminhar com as minhas próprias pernas fazendo do jeito que gosto e, por certo, que nunca desprezei aqueles discos que eram considerados ruins e colocava os meus filtros e em casa via que se tratava de discos que realmente foram menosprezados e permaneceram assim por longas décadas, no entanto, atualmente surgiu uma galera, da qual faço parte, que está revendo, isso mesmo somos revisionistas, e está colocando esses álbuns nos seus devidos lugares e gente como Uriah Heep, Grand Funk Railroad, entre outros estão sendo novamente procurados e recebendo os merecidos dividendos pelo trabalho prestado ao rock.

Em 1999, aconteceu um fato triste na minha vida de “colecionador”, numa quista feira marcada por muitas chuvas torrenciais a minha casa foi invadida por assaltantes e o saldo foi uma perda devastadora, quer dizer, 95% da minha coleção de discos simplesmente desapareceu e entre os furtados estava o Harvest. Passados mais de 10 anos, em julho deste ano, eu o comprei em cd e pude novamente rememorar os dias incríveis do passado. O título em português significa “colheita” e isso realmente aconteceu em 1995, naquela sexta feira de sol intenso, porque foi ali naquele quarto apinhados de prateleiras pejadas de livros e discos que foi colhido mais um admirador desta célebre obra que sempre se serviu dela para mostrar os iniciantes e os amigos um álbum único, especial, que reflete uma face mágica e, talvez, mística do rock que sempre permaneceu viva na minha memória e nos momentos importantes esteve na retaguarda fazendo a minha escolta particular nesse mundo louco e caótico e é por isso que o indico porque o aconteceu comigo pode acontecer com qualquer um e quem sabe até mesmo você pode ser colhido e o Harvest de repente pode ser o álbum da sua vida.

Faixas: 

A1. Out on the Weekend 
A2. Harvest
A3. A Man Needs a Made 
A4. Heart of Gold 
A5. Are Your Ready for the Country? 

B1. Old Man
B2. There's a World 
B3. Alabama 
B4. The Needle and the Damage Done 
B5. Words (Between the Lines of Age)
        










2 comentários:

  1. ACHEI OTIMO SEU BLOG SEI QUE VOLTAREI MUITAS VEZ, TOMEI A LIBERDADE DE USAR UM DE SEUS TEXTOS NO MEU BLOG SOBRE O RELANÇAMENTO DO CD BUDGIE QUE SOU MUITO FÃ, CASO NAO TENHA AUT. FAVOR COMUNICAR QUE RETIRO A POSTAGEM

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  2. O meu texto você pode até usar, mas desde que mê dê os devidos créditos. Enquanto ao fato de você ter gostado do blog e ter se tornado um seguidor, muito obrigado e espero que continue gostando do conteúdo.

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