David Bowie é conhecido como o camaleão do rock, e essa alcunha é mais do que justificada. A cada trabalho Bowie vêm criando e desenvolvendo vários estilos e estéticas diferentes. Depois do genial Raise and Fall of Ziggy Stardust and Spiders From the Mars, Bowie matou seu personagem e demitiu a banda, literalmente, no palco da últim apresentação no Hammermisth Odeon em 5 de julho de 1973, na turnê do genial Aladdin Sane. Depois de um álbum de covers (Pin Ups), o camaleão teve a idéia de fazer um álbum que acompanharia uma peça musica baseada no livro 1984, de George Orwell. No entanto, Sonia Blair, então viúva de Orwell vetou os direitos autorais da obra forçando Bowie a pensar rápido e criar o seu mundo urbano decadente chamado Diamnd Dogs. O cenário é uma cidade abandonada chamada Hunger City onde matilhas de cães patrulham ruas abandonadas, enquanto os punks em seus skates enferrujados passeavam sobre os telhados dos edifícios. Havia até um substituto para Winston, um gato legal chamado Helloween Jack.
O escândalo Watergate e todo o clima de paranóia política impulsionaram o clima do trabalho, além da quantidade absurda de cocaína consumida por Bowie. Sem seu braço direito, Mick Ronson, e sem os Spiders, Bowie tinha a ingrata tarefa de ter o controle total do projeto. Ele desejava que a música que habitava sua cabeça fosse reproduzida fielmente no álbum. Em dezembro de 1973, Bowie contava com o baterista Ansley Dumbar, o baixista Herbie Flowers, e os guitarristas Tony Newman e Alan Parker. Com esse time ingressaram no Olympic Studios. Na produção Keith Harwood que já havia trabalhado no Houses of the Holy, do Led Zeppelin, além de produzir All the Dudes Young, composição de David Bowie para o Mott the Hoople. O pianista Mike Garson que trabalhou com gente de peso como John Coltrane, e que havia mostrado seu poder nas teclas no álbum Aladdin Sane (1973), participa de Diamond Dogs.
Com a agência Mainman se afundando em dívidas, a pressão aumentava. Para suprir rápido parte das necessidades financeiras, é lançado o single Rebel Rebel contendo wm seu b-side a deslocada Queen Bitch. Dentro do clima tenso, musicalmente falando, em Diamond Dogs, Rebel Rebel revisita o tema sobre androgenia fazendo uma ligação com os trabalhos anteriores. Seu riff hipnótico serviu muito bem aos propósitos do single, e conta a história de um vadio (a) que preocupava seus pais por conta de seu estilo de vida. Quando Rock 'n' Roll With Me começa, o clima Orwerlliano retorna, e nos lembramos de que Diamond Dogs não é diversão. Também não é rock 'n' roll, é genocídio como é dito no monólogo apocalíptico de Future Legend. O que restou do projeot original é mantido em We Are All Dead, e a avalanche de guitarras wah-wah em 1984. Além de, claro, a faixa seguinte: Big Brother.
Na verdade Diamond Dogs foi produzido bem rápido e projetado para ser reproduzido ao vivo. Herbie Flowers disse que as faixas básica do álbum foram produzidas em apenas três dias no Olympic Studios. Como a MainMan parou de pagar o aluguem do Olympic Studios, o pessoal mudou-se temporariamente para o Ludolf Studios na Noruega. Na verdade o álbum foi finalizado no Ludolf por sugestão do pessoal dos Rolling Stones que haviam gravado o álbum It's Only Rock 'n' Roll (1974) lá também.
Falando em Rolling Stones, Bowie e Mick Jagger tornaram-se amigos em 1973. Jagger havia estado presente no último show de Ziggy. Por indicação do garoto de lábios carnudos, Bowie também aceitou a indicação do mesmo artista que fez a capa de It´s Only Rock 'n' Roll, para fazer a capa de Diamond Dogs. O artista era Guy Peellaeeart e ele criou o cenário, ou seja, o circo de horrores onde Bowie aparece com a sua cabeleira estilo Ziggy Stardust (um dos últimos indícios do alienígena morto no palco) sobre um corpo de cachorro com a genitália aparecendo. Obviamente o pessoal da RCA reclamou bastante para que a imagem da genitália fosse apagada, mas Bowie não cedeu a pressão.
A respeito do show de horrores, não é coincidência que haja nessa capa uma referência ao filme Freaks de Todd Browning. Já escrevi isso em um dos meus textos, a respeito da Pinhead dos Ramones ter sido inspirada por esse mesmo filme de terror de 1932, mas no caso de Diamond Dogs a coisa é explicitada com o verso da faixa título: "Dressed Like a Priest you Was/Todd Browning Freak you Was, e as referências cinematográficas se estendem ao design dos palcos...David Bowie estava muito interessado no expressionismo alemão.
Os filmes: "O Gabinete do Doutor Caligari (1920)", de Robert Weine, e "Metropolis (1926)" de Fritz Lang, serviram de inspiração. O cenário urbano e decadente de Hunger City teria vida nos palcos. O niilismo e o vazio do mundo foram inspirados no conceito e design dos filmes citados. O designer cênico Mark Ravitz elaborou o palco. Ravitz já havia trabalhado com o Kiss naquela época, e tinha criado o logotipo da banda. A turnê se inicia em Montreal, no Canadá, no dia 14 de junho de 1974. A faixa Future Legend abriu o set list. Clássicos dos discos anteriores eram intercalados com músicas do novo trabalho, mas não deu espaço para David Bowie dizer um "olá Montreal". A turnê de Diamond Dogs combinou as montagens da Brodway com espetáculos de Hollywood com o poder do rock 'n' roll, sendo assim precursora das mega produções ao vivo.
O trabalho de palco de artistas como U2, Madonna, Elton John e alguns outros, não existiria da forma conhecemos hoje se não fosse Diamond Dogs. David Bowie sempre criando e inovando, mas para ele se reinventar precisou matar Ziggy Stardust. Para o projeto seguinte, Bowie iria desmontar esse super espetáculo que contava com sistema de freios desenvolvido pela Porsche (fábrica de carros esportivos alemã), e ingressar numa praia mais soul. Isso é assunto para outra hora. O que importa mesmo é informar o amigo leitor que a obra de Bowie é rica, ou seja, repleta de mudanças, rica em estética, e Diamond Dogs, apesar de não ser um trabalho não muito amigável, pode ser uma excelente porta de entrada. Audição perfeitamente recomendável.
Faixas:
A1. Future Legend
A2. Diamond Dogs
A3. Sweet Thing
A4. Candidate
A5. Sweet Thing (Reprise)
A6. Rebel Rebel
B1. Rock 'n´Roll With Me
B2. We Are The Dead
B3. 1984
B4. Big Brother
B5. Chant Of The Ever Circling Skeletal Family
(Autoria de Pier Carllo Braghiroli, texto originalmente publicado no zine O Grito nº 151, em março de 2012, pela Die Hard Records).
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