O ano de 1988
experimentou grandes mudanças como o fim da guerra fria que na verdade era o
preludio para a extinção da ex-U.R.S.S que ruiu de vez três anos depois, porém
ainda assim havia a ameaça nuclear não de uma guerra, mas da contaminação que
ameaçava a Europa após a castrofe nuclear ocorrida na Usina de Chernobil. Enquanto
no Brasil ainda recém saído do seu período mais sombrio agora tentava marchar
rumo a democracia ao mesmo tempo em contava seus mortos e procurava os seus
desaparecidos denunciando as violações dos direitos humanos praticadas nos
porões dos matadouros do DOI-CODI aonde ocorreram vários assassinatos,
estupros, torturas até de crianças e de bebes e o que mais se puder imaginar,
mas ainda haviam os resquícios que assombrariam o presente, marcado também pelo
assassinato de Chico Mendes e também viu o fim da censura e da tortura entre
tantas outras coisas.
Nas artes, ou
seja, na música, as coisas iam bem o Fates Warning dava o ponta pé inicial no
metal progressivo lançando No Exit só
que não estava sozinho e ao seu lado o Queensrÿche lançava Operation Mindcrime, o
metal extremo viu surgir o Death delineando o death metal a ser praticado na
década seguinte. O Metallica entrava de sola com And Justice For All seu disco
mais cerebral carimbando o seu passaporte para o Mainstream, eram os anos do
Thrash, e na sequência o Megadeth ia para o seu terceiro álbum. Na Alemanha, o
Destruction vinha para cima com Releases From Agony um substituto à altura de
Eternal Devastation. Na Suíça, o Celtic Frost incinerava o passado recente de
discos poderosos como Morbid Tales (1984) e To Mega Therion (1985), pilares do Death e
Black Metal, para se jogar na aventura frustrada de tentar ganhar o mercado
norte americano com Cold Lake, uma tentativa pífia de fazer hard glam que
custou muito caro a Tom Warrior e seus comparsas. O Judas Priest mais uma vez
tropeçava ao tentar se recuperar do fracasso de Turbo (1986) com Ram it Dawn,
ou seja, como se pode ver tanto dentro quanto fora da música o mundo passava
por mudanças e também marcado por tentativas de renascimento lugar aonde se
encaixava o Iron Maiden depois de ter experimentado um desagradável desconforto
com as críticas negativas e das interrogações sobre o futuro do grupo já que
anterior ao último disco a banda trazia na sua sacola uma penca de discos
clássicos, shows memoráveis sold out, então o jeito para se levantar e escapar
do fantasmas das críticas, das quedas de vendas de álbuns, era trazer a luz um
novo clássico que fizesse o seu público esquecer o último disco.
O processo de
ressureição da donzela de ferro, ou seja, a gravação de Seventh of a Seventh
Son, aconteceu na Alemanha, em Munique, no Musicland Studios, cuja produção
mais uma vez fora assinada pelo mega produtor Martin Birch. A gravação de
Seventh Of A Seventh Son marcou o fim de uma era por ser o último que Adrian
Smith até o seu retorno no começo do século posterior. O lançamento do sétimo
álbum do quinteto fantástico ocorreu no décimo primeiro dia de abril de 1988, a
reação ao álbum foi extremamente positiva por parte de imprensa que afirmava o
renascimento, ou seja, a restauração do grupo em relação a Somewhere in Time ao
haver eliminado os sintetizadores e mergulhado de novo na sonoridade crua direta
e reta que lhes é inerente. As inevitáveis comparações colocaram de imediato o
álbum ao lado de clássicos como Powerslave e The Number of the Beast que
construíram a reputação do Iron Maiden como uma das maiores bandas de heavy
metal de todos os tempos. Por outro lado afirmando a veracidade de que o álbum é
fruto de um trabalhado esmerado foi colocado por servir-se de inúmeros
elementos do rock progressivo ao lado de obras primas, definitivas, como The
Dark Side of the Moon do Pink Floyd e de Tommy do The Who e também de Tubullar
Bells de Mike Oldfield. Os álbuns da banda são marcados pela complexidade das
composições, fruto das influências diretas que a banda recebeu de inúmeros
artistas tanto do hard quanto do progressivo que refletem diretamente na
capacidade de construção das composições afirmando Steve Harris como um dos
maiores compositores da história do rock.
Seventh Son Of A
Seventh ainda tem a vantagem de poder contar com o lado intelectual de Bruce Dickinson nas letras,
ou seja, é conceitual cujos temas entram dentro da filosofia do Mago Aleister
Crowley abordando a lenda do Sétimo filho portador de poderes sobrenaturais
cuja missão, da criança que foi enviada a terra, seria ser um elo entre o bem o
e mal. As discussões abordadas nas letras são sobre visões proféticas,
misticismo, reencarnação, a luta eterna do bem contra o mal e os dilemas da
vida após a morte, ou seja, temas filosóficos que entraram na pauta do grupo e
que estão espalhados pelos outros álbuns ainda que não sejam conceituais como
este. Entrando na
parte que realmente interessa que são as oito faixas que compõe esta pequena
pérola, a faixa de abertura Moonchild destaca-se pela sua influência direta de
Aleister Crowley cuja letra é baseada no ritual "Liber Samekh" e
também pela complexidade instrumental e dos vocais de Dickinson que conclamam o
ouvinte a embarcar no ritual do sétimo filho da donzela de ferro. A balada “Infinite
Dreams” discute os dilemas da vida após a morte cujo o personagem do tema
abordado tem visões aterradoras na vida após a morte entre outros fatos místicos
que aparecem no seu sonho que o faz ter medo de nunca acordar outra vez. Tudo isso embalado numa sonoridade que se alterna entre momentos tranquilos e outros mais rápidos, agitados e dão potência a narrativa do tema abordado que fazem desta uma das principais canções deste álbum.
O heavy metal
sem o feeling, ou seja, sem o lado emocional na narrativa vocal quanto
instrumental é um objeto morto, mas o Iron Maiden surfa por cima dessas ondas colocando
mais do que o coração, ou seja, dão a própria vida atrás de seus instrumentos
fazendo suas várias acrobacias e pirotecnias ao testa-los além do limite da
virtuose como é o caso de “Can I Play With Madness” que dá vida a um jovem que tenta
encontrar um profeta para através de uma bola de cristal saber o futuro. O
protagonista pede ajuda ao profeta a dominar as suas visões e pesadelos
constantes, mas o personagem ignora os ensinamentos do profeta. Talvez o lado
mais emocional e quiça passional do Iron Maiden esteja em “The Evil Man That
Men Do” não só pela complexidade e pela paixão com qual o quinteto se integra
lançando o ouvinte dentro de uma espécie de inferno de Dante ao contemplar o
mar de fogo emanado do instrumental pelo que tenta transpor para estabelecer a sua
ponte com o que há de mágico e entender a mensagem da letra construída através
de um fragmento retirado de um discurso de Marco Antônio feito aos romanos após
a morte de Júlio Cesar (imperador romano) que consta na peça de Sheakspeare
chamada Jullius Caeser, porém a mensagem da letra é a seguinte: o mal do homem
sobrevive a ele porque ele mesmo através de suas ações ao longo da história,
pela incompreensão de seus atos e paixões, faz recair sobre si o mal que o aflige
e que contamina a humanidade que vive a se equilibrar nas pontas dos pés numa
corda bamba em chamas.
O lado épico,
sombrio e naturalmente não pode ser deixado de lado ainda mais para narrar a
faixa título que carrega o tema central do álbum e onde se encaixa, ou seja, é
mola mestra que reúne em torno de si todas as outras peças que o compõe. A
sonoridade envolve pela sua complexidade e pelo clima místico e também de
suspense que carrega a tensão presente em cada nota deste tema que alcança o
cume com os duelos de solos de guitarra, pura pancadaria que hipnotiza e eletriza
o ouvinte levando-o ao caos sonoro me meio as quebradeiras produzidas e
conduzidas pela Adrian Smith e Dave Murray que sabem transformar o drama
contido nas linhas da cozinha em uma bela história de horror e esplendor que
levam ao delírio e prendem o ouvinte pelo cérebro esperando pelo momento final
que salta aos ouvidos deixando a sensação de espanto devido a habilidade em
desmanchar as guitarras e tudo mais que puder ser derretido e levado até as portas loucura, a insanidade reina aqui!
Em “The Prophecy”,
o Iron Maiden, mais uma vez recorre ao momento épico só que cadenciado deixando
o caminho livre para Bruce Dickinson soltar a sua voz e brilhar interpretando com
toda emoção que lhe cabe e é característica para narrar a concretização das
profecias que condenam toda à aldeia a sofrer no purgatório por ignorar o
verdadeiro sétimo filho dono do poder de curar e uma segunda visão. “The
Clairvoyant” uma verdadeira canção de heavy metal digna da genialidade do Iron
Maiden, o tema é inspirado na história de Doris Stokes questionando a possibilidade
de ela realmente prever o futuro não ter previsto a sua morte. Encerrando com
chave de ouro entra em cena “Only Good Die Young” cuja narrativa é um
questionamento sério a religião cristã, a moralidade e ao estilo de vida
adotado pelos seres humanos durante a sua passagem pela terra que se desdobram
nos seus atos e ações praticadas e, portanto, a pergunta, se são apenas os bons
que morrem cedo e o mal é quem sobrevive, é de fato um questionamento a tudo o
que está imposto e qual é caminho que se deve trilhar já que há em nós tanto
bondade quanto maldade, pois são dois fatos que se interligam e são
indissociáveis, inerentes a natureza humana que muitas vezes nega a humanidade se escondendo atrás de uma crença que não tem as respostas, as chaves para compreensão da vida e dos seus acontecimentos. Já dá sonoridade é completamente dispensável
discorrer algo além de que é uma grande canção de heavy metal aonde aparece o
talento, a virtuose e complexidade instrumental marcante reafirmadora da
personalidade do grupo.
A verdade é que
o Iron Maiden encerrava a sua participação na década de 1980 de bem com a
imprensa e com os fãs e partia para uma turnê muito bem sucedida que foi
registrada no clássico e histórico álbum ao vivo Maiden England´88 (ler aqui) que foi
recentemente relançado tanto em dvd quanto com uma nova embalagem e outro fato
que mostra a força desse registro é que o Iron Maiden refez a turnê passando
pela América e pela Europa, o Brasil ficou de fora por conta do alto custo que
demanda os cenários utilizados para a representação de cada faixa que foi
tocada no álbum. Ainda para compreender a força e a importância de Seventh Son
Of A Seventh a revista alemã Rock Hard o colocou na lista dos 500 melhores
álbuns de heavy metal na 305º posição. A parte triste é que do segundo line-up
considerado o clássico a primeira baixa ocorreu com a saída de Adrian Smith que
retornaria a banda somente no século posterior. Encerrava-se assim a fase mais
brilhante da carreira do Iron Maiden que entraria na década de 1990 sem o mesmo
vigor e a mesma consistência e para além disso ainda ocorreria saída de mais um
integrante, Bruce Dickinson. Essa história fica para outro dia, pois agora é
hora de tirar a poeira desse álbum e sentar ao lado sétimo filho e abraçar o
profeta e embarcar nessa visão e tentar não morrer ainda jovem porque os sonhos
ainda podem ser infinitos porque a vida não acabou e por isso mesmo pulo no abismo.
Faixas:
Lado A
A1 Moonchild
A2 Infinite Dreams
A3 Can I Play With Madness
A4 The Evil That Man Do
Lado B
B1 Seventh Son Of A Seventh Son
B2 The Prophecy
B3 The Clairvoyant
B4 Only The Good Die Young
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